terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A ciência e o medo: um texto de Sidarta Ribeiro

A ciência e o medo


                                                                                                                                       Sidarta Ribeiro
A maior dádiva da ciência para a humanidade é a libertação do medo. Imagine por um instante nosso passado neolítico. Todos os dias era preciso conviver com medos terríveis: predadores letais, conflitos tribais, frio e calor, fome e sede, seca e enchente, sem falar do mítico medo da noite eterna, tão bem documentado entre o povo maia: o temor de que o sol um dia partisse e nunca mais regressasse. A ciência nasceu como técnica de controle da realidade e de seus inúmeros perigos, muitas vezes transformando a dificuldade em ferramenta. Pense no fogo, na fermentação dos alimentos e no uso medicinal de substâncias. Com a ciência veio a esperança de um futuro cada vez melhor, com mais conforto e segurança, menos sofrimento e medo.

Há cerca de 30 anos, surgiu um temor novo que ceifou milhões de vidas e instalou pânico moral na sociedade, conspurcando a beleza do sexo com a fobia de uma contaminação fatal. É o vírus HIV, capaz de deflagrar a pane imunológica que chamamos de aids. Estima-se que existam no planeta mais de 33 milhões de portadores de HIV, chegando a 25% dos cidadãos de certos países africanos. Na ausência de cura, grande esforço foi feito para informar a população mundial sobre os modos de prevenir a infecção. Também houve avanço no desenvolvimento de drogas antivirais capazes de estancar o curso da doença. Infelizmente tais drogas podem causar sérios efeitos colaterais, precisam ser tomadas ininterruptamente por toda a vida, e apresentam custo proibitivo para a maior parte dos pacientes.

Por essa razão, causa muita esperança e orgulho a descoberta de que anticorpos monoclonais podem ser usados para debelar o HIV. Realizado pelo grupo do brasileiro Michel Nussenzweig na Universidade Rockefeller (EUA), o estudo publicado na revista Nature aponta o caminho para uma terapia de aids mais segura, barata e duradoura. Permite também vislumbrar o dia histórico em que será anunciada uma vacina anti-HIV.

Medo e desesperança, por outro lado, emanam do artigo de capa da revista Veja de 26 de outubro. Alegando refletir as mais recentes descobertas científicas sobre a maconha, o artigo esforça-se por insuflar ao máximo o receio em relação à planta. Cita seletivamente a bibliografia especializada, simplifica e omite resultados, distorce e exagera sem constrangimentos para afinal concluir, nas palavras do psiquiatra Valentim Gentil, que “se fosse para escolher uma única droga a ser banida, seria a maconha”.

Em tempos de crack na esquina e cachaça a 3 reais o litro, não é preciso ser médico para perceber o equívoco da afirmação. O destaque dado à matéria contrasta com seu parco embasamento empírico, que ignora fartas evidências sobre o uso medicinal da maconha, a segurança de seu consumo não abusivo, a existência de alternativas não tabagistas e as consequências nefastas do proibicionismo. O bom nome da ciência não pode ser usado ideologicamente para propagar preconceitos e fomentar pânico moral. A ciência deve sempre ser usada em prol do gênero humano, para arrefecer seus medos e não suscitá-los.


Publicado originalmente em: Revista Mente e Cérebro

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Como se produz um escândalo? Por Marcos Peixoto

 
Como se produz um escândalo?
 
 

 

 1) Comece do nada. Crie tudo do zero – estes são os melhores escândalos!

 2) Transforme o dedo-duro do momento (alguém com óbvios e diretos interesses na questão) em pessoa absolutamente isenta e confiável.

 3) Não existe outra versão para a estória. A única aceitável será a do dedo-duro.

4) Outras versões devem ser desprezadas, de preferência omitidas – no máximo, tratadas com ironia ou sarcasmo.

 5) Preferencialmente, conte com elementos simpáticos à versão dentro do Poder Judiciário. Se não for possível, pra começar, serve no Ministério Público.

 6) Desvista a questão de seu caráter político. Defenda até o fim que a questão é exclusivamente ética, e o dedo-duro é seu maior representante na terra.

 7) Trate a questão como essencial e urgente à salvação da pátria, o tema mais relevante do momento.

 8) Os apresentadores, quando ao tema se referirem na TV, devem fazer ar de tristonhos, de desagrado, de leve repreensão.

 9) Sempre que possível, estampe nos jornais fotos dos citados pelo dedo-duro com a boca torta, cabelos desgrenhados, de saia e com as pernas abertas, coçando o saco, etc.

 10) Mantenha o escândalo criado – ou ainda que embrionário – nas manchetes enquanto for possível.
 
 Isto fará com que, ao menos naquele período, os VERDADEIROS ESCÂNDALOS sejam esquecidos, seus crimes prescrevam, suas tramoias sejam completadas, suas provas bem escondidas.
 
Marcos Peixoto é juiz de direito do TJ/RJ e membro fundador do Instituto de Estudos de Direito Crítico (IECD).