quarta-feira, 27 de junho de 2012

A mídia isenta e ética do Brasil: um texto de Reginaldo Melhado

Fico aqui com os meus botões supondo qual seria o comportamento de "Veja" et caterva se um imaginário parlamento venezuelano ou boliviano, com hegemonia de partidos de esquerda, depusesse sumária e inapelavelmente um presidente civil, de direita, com base em pretextos ridículos e acusações levianas e abstratas, escorado em prova alguma – houve instrução no processo, direito à prova? –, tudo isso em algumas frenéticas e breves trinta horas, depois das quais o bispo vermelho descansou em paz, com suas ideias de reforma agrária e sua vasta e escandalosa prole, em encenação grotesca que só não foi mais rápida do que o reconhecimento expresso do novo governo emitido pela cavalaria – digo, chancelaria – do Tio Sam e seu presidente democrata.


     Possivelmente, essa mídia não revelaria a mesma ética e a mesma isenção profissional com que tratou o caso do senador boliviano Roger Pinto Molina, que em seu país é considerado delinquente comum, acusado de assassinato em 21 processos diferentes, incluído o massacre de camponeses. Essa mesma mídia que nos fez latejar os ouvidos no caso Cesare Battisti abandonou todos os seus princípios, todos os valores democráticos e pruridos morais, toda sua energia hercúlea e – tchan, tchan, tchan! – deu uma notinha de rodapé sobre o refúgio político senatorial, de modo indulgente, imperceptível. Como se estivesse a dizer: “Vocês, de esquerda, não fossem mero espelhismo, seriam mesmo uns trouxas!”.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

A última aula: um texto de Juarez Tavares

A ÚLTIMA AULA

      O tempo corre e a vida na Terra se transforma. Para nós, que aqui habitamos e não podemos nos deslocar com a velocidade da luz, os acontecimentos se sucedem inexoravelmente e o presente se transmuda, todos os dias, em passado. Ontem, dia 15 de junho de 2012, ministrei na UERJ minha última aula de graduação, porque em agosto próximo deverei aposentar-me compulsoriamente. Já se foram m...ais de 35 anos de magistério superior, sempre na cadeira de direito penal. Comecei minha carreira docente na Universidade Federal do Paraná, passei pela Universidade Católica do Paraná, pela Universidade Estadual de Londrina, pela PUC/RJ, pela Uni-Rio para, finalmente, terminar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Durante esse período, cada vez de modo atualizado, procurei transmitir aos meus alunos o conhecimento daquilo que a ciência penal produziu no Brasil e no mundo. Intensifiquei o estudo da dogmática penal, percorri com os estudantes todos os caminhos e meandros das teorias, dos critérios de racionalidade, de suas possibilidade e impossibilidades.



          Minha preocupação foi desenvolver nos estudantes uma visão crítica do direito, dentro daquela tradição tão bem representada pela Escola de Frankfurt. Meu objetivo não era, primordialmente, buscar soluções, mas apresentar problemas, levar ao extremo uma dialética negativa, única forma de fazer com que as pessoas refletissem sobre as contradições de uma legislação repressiva em face de uma sociedade essencialmente desigual, desumana e profundamente comprometida com uma visão autoritária. Busquei mostrar os antagonismos e as incoerências dessa sociedade e das políticas estatais que a representam no âmbito das normas incriminadoras. Sempre dediquei meu tempo a me opor às soluções mirabolantes e messiânicas, todas essas sedimentadas na crença de que por meio do direito penal se poderia alcançar a proteção infinita e a eterna felicidade. Essa crença vã jamais habitou meu pensamento; afastei-a de minhas aulas; monitorei cada frase de meus escritos para que não a encampassem; sugeri constantemente aos estudantes que dela se libertassem. Meu magistério foi voltado a outra crença, à crença na pessoa humana e em sua luta constante e eterna por sua liberdade. Não sei se consegui formar seguidores ou simpatizantes, mas cumpri meu dever de assinalar a todos que outro mundo é possível.



quarta-feira, 6 de junho de 2012

"Infratores perniciosos para a democracia": um texto de Aton Fon Filho


     Aton Fon Filho


     Quase fui ao orgasmo com a frase "Não é ético nem moral alguém com potencial e alcance criminal desse jaez ser assistido por defensor". Ainda mais quando continua: "defensor que teve, pelo menos em tese, a missão de, como ministro da Justiça, defender o Estado brasileiro da ação deletéria de infratores perniciosos para a democracia".


  Realmente, não podemos admitir que acusados de serem "infratores perniciosos para a democracia" tenham assistência de advogados. Pelo menos isso creio que aprendemos com o passado, com o regime militar, e temos que aplicar devidamente agora: O melhor meio de pôr a democracia em risco é deixar que  infratores perniciosos para a democracia se utilizem dos mecanismos democráticos. 

De vez em quando se fala de uma situação em que um juiz teve a ousadia de dar dois habeas corpus em 48 horas a um indivíduo - UM BANQUEIRO!! -, certamente atendendo ao pedido feito por um advogado. Não tivesse aquele BANQUEIRO direito a ser defendido por um advogado e o pedido de habeas corpus não teria sido ajuizado e ele poderia estar na cadeia até hoje, ou mesmo poderia ter desaparecido, já que não teria advogado para requerer que se indicasse seu paradeiro. 

Talvez tenha sido esse o erro dos militares. Com o AI-5, limitaram-se a proibir a concessão de habeas corpus aos infratores perniciosos para a democracia. Tivessem os militares pensado melhor - ainda bem, para nós, que não o fizeram - e teriam proibido que os acusados de crimes contra a segurança nacional, que eram evidentemente infratores perniciosos para a democracia tivessem advogados. Porque muitas vezes foi o advogado do subversivo, que, mesmo sem poder recorrer ao habeas corpus encontrou "brechas na lei e subterfúgios defensivos, a fim de livrá-lo impunemente".Talvez, seja verdade o que diz o Procurador Manoel Pastana de que se não tivesse o subersivo - que também era acusado de ser um desses infratores perniciosos para a democracia - o direito de ter advogado, "tampouco teria a fidelidade de amigos e colaboradores influentes". Ou de parentes, quem sabe, que poderiam também ficar atemorizados pela possibilidade de serem acusados, presos e não terem, eles próprios, advogados.

Tivesse sido aplicada essa mesma lógica já naquele tempo e certamente a Dra. Rosa Maria Cardoso da Cunha certamente não teria estabelecido essa relação que a trouxe agora à Comissão Nacional da Verdade. Não sei se ela recebeu alguma coisa da subversiva Dilma Roussef. Se recebeu, podem ter sido recursos oriundos das expropriações que a Var-Palmares fazia. Se não recebeu, isso pode provar que a própria advogada era integrante da organização subversiva. Porém, os militares não se valeram dessa lógica. 

E talvez por isso mais tarde se tenha tido a necessidade de recorrer algumas vezes à eliminação física de advogados como Eugenio Lyra e Paulo Fonteles, para evitar que invasores de terras, outra classe de infratores perniciosos para a democracia continuassem a cometer seus crimes e serem defendidos e postos em liberdade quando presos.

Mas, o que se há de fazer? Se é necessário, para proteger a democracia, impedir que os infratores perniciosos para a democracia tenham advogados, esse é um preço menor a se pagar para defender nossos valores ocidentais. Até porque, sem advogados, pode-se torturar esses infratores perniciosos para a democracia e obter deles os nomes de seus cúmplices e onde depositaram o dinheiro fruto da corrupção.

Como é bom saber que podemos contar com Procuradores como o Dr. MANOEL PASTANA, capaz de elaborar essa profunda tese jurídica de criminalização do defensor.

Agora a Democracia está protegida!!