Carta aberta ao Congresso Nacional sobre
a Reforma Penal
(PLS 236)
Reunidos no Seminário Crítico da Reforma Penal
organizado pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e Secretaria de
Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça entre os dias 11 e 13 de
setembro de 2012, juristas de todo o Brasil dedicaram-se à análise crítica do
Projeto de Lei do Senado n. 236, que propõe um novo Código Penal para o país.
Os trabalhos apresentados e discutidos no Seminário demonstraram,
sem exceção, inúmeras deficiências teóricas no Projeto, em boa medida resultado
da equivocada e acrítica incorporação de critérios jurisprudenciais de
imputação em detrimento à dogmática penal mais avançada, tanto em termos
técnicos quanto democráticos.
A notável pobreza teórica do Projeto, constatada por
unanimidade, precisa ser destacada porque implica maior dificuldade na
tentativa de controle democrático da competência punitiva do Estado. Assim é
que, por suas falhas, o Projeto afasta o Direito Penal simultaneamente da
Ciência e da Cidadania, isto é, não só se opõe ao saber jurídico, mas também ao
soberano poder popular.
A proposta revela, contudo, problemas ainda mais
graves. Longe de inaugurar um marco no Direito Penal brasileiro, o Projeto é
profundamente anacrônico, como revela uma análise sistêmica. É evidente seu
compromisso ideológico com a ultrapassada política de defesa social, própria do
Estado de Polícia e, portanto, absolutamente incompatível com o Estado
Democrático de Direito.
A aposta na pena privativa de liberdade para repressão
e prevenção da criminalidade que propõe é, provavelmente, o reflexo mais claro
desta natureza punitivista do Projeto que, para piorar, abre mão de
alternativas desencarceradoras em favor da prisão, cujo fracasso para fins de
ressocialização foi exaustiva e reiteradamente demonstrado pela teoria – a mesma
teoria que a Comissão responsável pela elaboração do texto decidiu,
convenientemente, ignorar.
Diante de um sistema de justiça criminal
sobrecarregado, seletivo e desumano – sobretudo no que se refere à execução
penal, em toda sua miséria real – esta contraditória reafirmação da pena é radicalmente
antidemocrática, porque agrava o já terrível drama carcerário. Mas se a grave violação dos direitos
fundamentais decorrente da eventual aprovação do Projeto de Código não for
argumento suficiente para rejeitá-lo, importaria notar ainda o substancial
aumento do custo social, político e econômico do sistema de justiça criminal –
notadamente, do sistema penitenciário – que determinaria.
Em síntese, o Projeto de Lei do Senado n. 236 é
incompatível com a promoção do ideal republicano de uma sociedade mais livre,
justa e solidária. E seja pela quantidade de defeitos que apresenta ou por seu pernóstico
compromisso ideológico com a repressão, o fato é que o Projeto não pode – nem
deve – ser reparado mediante supressão, modificação ou acréscimos.
Somente a radical negação da proposta, como um todo, é
admissível. Esta é a conclusão dos juristas que abaixo subscrevem.
Rio de janeiro, 13 de setembro de 2012,
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