O
JULGAMENTO DO CHAMADO “MENSALÃO”: UM ALERTA AOS ESTUDANTES DE DIREITO
Por: Maria Lucia Karam
A
euforia midiática com o televisivo julgamento do caso chamado de “mensalão”,
contando inclusive com comentaristas apresentados como professores e juristas,
tem escondido sérios danos ao Direito perpetrados nas longuíssimas sessões que fazem
pensar se o notável saber jurídico que se supõe existisse quando da indicação
dos magistrados que integram o STF não teria se perdido com o passar do tempo.
O julgamento
padece de um vício original: a violação do basilar princípio do juiz natural. Cidadãos
comuns processados perante o STF, quando a Constituição Federal estabelece a
competência originária de tal órgão judiciário para atuar tão somente em
processos em que figurem como réus integrantes de determinadas funções públicas
de especial relevância, assim ao mesmo tempo estabelecendo a competência
residual dos juízes de primeiro grau para atuar em processos em que figurem
como réus cidadãos comuns, a mera conexão entre causas não sendo contemplada na
Lei Maior como razão para alteração dessa competência. A violação ao basilar
princípio do juiz natural se revela também em relação aos réus integrantes
daquelas funções públicas de especial relevância, na medida em que provas foram
produzidas perante juízes de primeiro grau, quando provas válidas são somente
aquelas produzidas perante o juiz natural, a norma constitucional claramente
estabelecendo que “ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, não contemplando
qualquer autorização para delegações na instrução do processo.
Mas,
não é apenas a desconsideração do basilar princípio do juiz natural, já
revelada em anteriores atuações do STF, que motiva as considerações aqui
expostas. São sim algumas “pérolas” vindas no decorrer do contaminado
julgamento.
Ouviu-se
douto integrante do STF afirmar que manifestação do réu em torno da negativa de
autoria do crime a ele atribuído – apresentando, por exemplo, um álibi – constituiriam
alegação de fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito alegado pelo
autor (!!!!).
Ouviu-se
douto integrante do STF afirmar que a antiga Visanet Brasil (hoje Cielo) seria
uma subsidiária do Banco do Brasil (!!!!).
Ouviram-se
doutos integrantes do STF se referirem à concepção do domínio do fato,
plenamente desenvolvida há pelo menos uns cinquenta anos, como se fosse uma
grande novidade, e, pior, confundindo seu conteúdo que, de instrumento para a
correta diferenciação entre autoria e participação viu-se transportado para o
campo da análise probatória (!!!!).
Agora,
chegando ao momento de fixação das penas (inusitadamente distante do momento do
pronunciamento sobre a procedência do pedido condenatório – aliás, em tal
momento, doutos integrantes do STF não falavam em procedência ou improcedência
do pedido, falando em procedência ou improcedência da ação (!!!!) –, ouviu-se
acirrada discussão entre os doutos julgadores acerca da regra aplicável na
imposição da pena referente a crime previsto no art.333 CP, dada alteração
legislativa na medida das penas cominadas – regra vigente a partir de
21/11/2003 estabelecendo pena de reclusão de 2 a 12 anos, enquanto regra
anterior cominava a pena de reclusão de 1 a 8 anos. Na acirrada discussão,
verificou-se então que não se sabia exatamente se tal crime se dera antes ou
depois da lei nova, não se sabendo a data (ao menos aproximada) do oferecimento
ou da promessa da vantagem. O réu fora condenado sem que se soubesse quando o
fato ocorrera (!!!!). Diante da dúvida tardia, douto integrante do STF que
aplicava pena de 4 anos e alguns meses utilizando como parâmetro a lei que
elevara a pena cominada para reclusão de 2 a 12 anos relutantemente acabou por
se convencer que a lei aplicável seria a que cominava a pena de reclusão de 1 a
8 anos, mantendo, no entanto, a mesma pena concretizada em 4 anos e alguns
meses (!!!!).
Talvez
fosse recomendável fazer um alerta aos estudantes de Direito: desliguem a TV!