Para o pensamento crítico do Rio de Janeiro, o nome de Miguel Baldez é uma referência. Procurador do Estado, fundador do Núcleo de Terras da Procuradoria, professor universitário, advogado do MST e militante dos direitos humanos, esse jovem de formação marxista, que completou mais de oito décadas de uma vida intensa, se faz presente nas mais variadas lutas, sempre ao lado dos oprimidos pelo sistema capitalista.
Vale conferir seu novo texto...
Arrogância de Classe
Arrogância sim, de cunho cruel e intolerância reacionária, eu diria até racista, manifestada por festejado intelectual do ramo das matemáticas no jornal O Globo do dia 10 de janeiro. Pois sem preocupar-se com sua própria história, de merecido reconhecimento como homem de números e contas, meteu-se ele a criticar e desqualificar o programa de regularização da comunidade do Horto Florestal, esbanjando equívocos quanto à formação da comunidade, erros graves no campo do direito e, ainda, lamentavelmente, com inadmissível desprezo pela ética.
Não fosse ele o homem respeitável e de fina imagem que é, bastaria como resposta um simples e banal desaforo: vá cuidar da sua vida, professor, ou o vulgar – vá procurar sua turma, cara. Mas, tratando-se de respeitável intelectual, cientista de peso no campo das ciências exatas, algumas ponderações Sua Senhoria merece ouvi-las, consultar-se lá com seus botões e – quem sabe? – assumir o mal feito e desmentir-se publicamente. Seria um gesto de grandeza moral que O Globo não publicaria...
Mas ouça ele as necessárias ponderações. Antes, algumas preliminares: por que o ilustre e inesperado articulista não se manifestou contra a instalação do Espaço Tom Jobim no Jardim Botânico, bem como contra a depredação que o uso da área e seu emporcalhamento com garrafas e restos de comida largados pelos refinados freqüentadores de shows e aculturados programas? Nenhum protesto, repita-se. Por quê?
Outra preliminar. Há tempos, segundo se diz entre os moradores, houve uma queimada lá no Horto Florestal para acomodação do Instituto Superior de Matemática, de inquestionável importância para pesquisadores e formação científica dos jovens brasileiros. Tudo bem, mas quanto à sobrante terra inaproveitada, aberta e vazia a espalhar-se por este nosso Rio de Janeiro... Precisava ser no Horto?
O artigo veiculado pelo O Globo não passa, portanto, de mera arrogância de classe, e que se inscreve na torpe campanha que o dito jornal tenta retomar, usando, sem pudor, um distinto e culto senhor, distraído ou desavisado, cuja leitura alienada da realidade não lhe permite perceber o povo, seus interesses, suas necessidades e seus direitos na história do Horto.
Resolveu, então, o inconformado e desinformado professor, sem perceber o triste papel que representava, criticar a União por ter optado pela demarcação da área e consolidação das moradias compatíveis com o projeto. Trata-se de ato administrativo e típico do poder discricionário que, nos termos da Constituição Federal, somente a ela cabe. É tolice supor que o nome da UERJ vem sendo usado indevidamente. Inspirou-se ele na própria prática, a auto-suficiência de uma classe que se considera dona e senhora do universo, autorizada em si e por si mesma a afirmar qualquer bobagem.
A intervenção da UFRJ pelo Instituto de Arquitetura da Universidade Federal de Arquitetura, representada por um de seus mais qualificados professores – fiquem certos tanto o que escreveu como os parvos e contumazes detratores que o estimularam – é fruto de legítima e legal parceria com o Serviço de Patrimônio da União, obedecidas todas as normas administrativas aplicáveis à complexidade do fato.
Enfim, o processo de regularização das comunidades do Horto Florestal está entrando em sua fase final, depois de ultrapassadas algumas dificuldades e etapas técnicas, com absoluto respeito ao meio ambiente, às efetivas necessidades do Jardim Botânico e rigor no trato jurídico da ordem constitucional.
Aceite, pois, senhor articulista, em respeito de sua história e sem o rancor de sua envelhecida classe, estas singelas e éticas ponderações.
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