quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Sobre o Fascismo...



Fascismo é uma palavra que se origina do italiano fascio (do latim fascis; feixe), símbolo da autoridade dos antigos magistrados romanos,[1]que contavam com lictores a utilizar feixes de varas com o objetivo de abrir espaços para que passassem. Em sua origem, portanto, os feixes já eram utilizados como símbolos do poder em oposição aos indivíduos. Durante o regime fascista essa insígnia foi recuperada com o objetivo de simbolizar a força inquebrantável da união.[2]   
                        Segundo Paxton, o fascismo “recebeu seu nome e deu seus primeiros passos na Itália. Mussolini, entretanto, não era um aventureiro solitário. Movimentos semelhantes vinham surgindo na Europa do pós-guerra, independentes do fascismo de Mussolini, mas expressando a mesma mistura de (...) voluntarismo e violência ativa contra seus inimigos”.[3] Hoje, parece existir consenso de que existe(m) fascismo(s) para além do fenômeno italiano.
Note-se que, ao comentar o surgimento do fascismo clássico, Mariátegui deixou consignado que os “fascistas provêm dos diferentes partidos e setores burgueses. O ‘fascismo’ não constitui, portanto, um conglomerado homogêneo. Em suas fileiras há elementos de filiação e origem claramente reacionárias e conservadoras”.[4]
                        Para seus idealizadores e teóricos, o fascismo era uma idéia política com peso semelhante ao do socialismo ou do liberalismo. Uma idéia que não teria surgido de abstrações teóricas, mas da necessidade de ação, da vontade de conquista. Bobbio, aliás, percebeu que o fascismo italiano tinha como programa imediato “pura e simplesmente a conquista do poder”.[5] Não por acaso, os fascista se orgulhavam do fazer pelo fazer, sem pensar.
                        Mas, ao contrário do que se pregava no seio do movimento fascista italiano, entendido como uma realidade histórica, o fascismo possuía uma ideologia: uma ideologia de negação.[6] Mann adverte que a ideologia fascista deve ser levada a sério, pois não só é tão criticável quanto as demais ideologias como também apresentava “soluções plausíveis para os problemas sociais modernos”.[7] Como ensina Bobbio, os fascistas “talvez não soubessem o que queriam, mas sabiam muito bem o que não queriam. Não queriam, em uma palavra, a democracia, entendida como laborioso e difícil processo de educação na liberdade, de governo através do controle e do consenso, de gradual e sempre contestada substituição da força pela persuasão”.[8]
                        Zaffaroni, Batista, Alagia e Slokar sustentam que, apesar das múltiplas raízes ideológicas do fascismo, “o penalismo do estado fascista – da chamada revolução fascista – nutriu-se de elementos do positivismo e do neo-idealismo”.[9] No fascismo, tanto a pena quanto o processo penal, por exemplo, orientam-se à proteção do Estado com a ampliação do poder penal e correlata diminuição das garantias individuais.   
                        Mario Sznajder ao pesquisar sobre o fascismo declarou que “não há dúvida de que o fascismo é uma ideologia política, baseada em certas afirmações de origem filosófica e cultural, adotada por movimentos intelectuais, sociais e políticos para transformar-se em partido e regime onde as circunstâncias históricas o permitissem. Ou ainda para proporcionar aspectos propagandísticos e operacionais a movimentos políticos que não podem ser definidos como fascistas, mas que vêem no fascismo ideológico e prático uma fonte de inspiração. Os componentes operacionais da ideologia fascista, já analisados por sérios investigadores, apontam para a notória primazia do poder político sobre considerações de caráter social, econômico ou cultural. A redação entre este tipo de visão e a primazia do estado fica clara também. Também são componentes essenciais do tipo de nacionalismo que o fascismo adota e opera o seu caráter guerreiro e violento”.[10]

                                   Nas últimas semanas, reforçou-se a convicção de que os atos e sentimentos fascistas devem ser compreendidos para que se possa superá-los. Com esse objetivo, três intelectuais produziram importantes textos que podem ajudar nesse processo de desvelamento. Vale a leitura:
































[1] SCHIEDER, Wolfgang. Fascismo. In: MOMMSEN, Hans; SCHIEDER, Wolfgang. (Org.). Marxismo e democracia, v.3. Madrid: Edica, 1975.
[2]BOBBIO, Noberto. Do fascismo à democracia: os regimes, as ideologias, os personagens e as culturas políticas. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 28
[3] PAXTON, Robert Owen. A anatomia do fascismo. Tradução de Patrícia Zimbres e Paula Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 2007. pp. 19-20.
[4] MARIÁTEGUI, José Carlos. As origens do fascismo. PERICÁS, Luiz Bernardo (org.). São Paulo: Alameda, 2010. p.179.
[5] BOBBIO, Noberto. Do fascismo à democracia: os regimes, as ideologias, os personagens e as culturas políticas. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 28.
[6]BOBBIO, Noberto. Do fascismo à democracia: os regimes, as ideologias, os personagens e as culturas políticas. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 28.
[7] MANN, Michael. Fascistas. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 13.
[8] BOBBIO, Noberto. Do fascismo à democracia: os regimes, as ideologias, os personagens e as culturas políticas. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 29.
[9]ZAFFARONI, Eugênio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro: primeiro volume – Teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 610.
[10] SZNAJDER, Mario. Fascismo e Intolerância. In: Tempos de fascismo: ideologia – intolerância – imaginário. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci e CROCI, Federico. (orgs.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010. p. 25.


3 comentários:

  1. Rubens,

    Parabéns pelo blog,

    Interessante observar que o facismo não se apresenta apenas como um inimigo da democracia, mas como um aperfeiçoamento da mesma.

    O texto é bastante claro, mas tenho minhas dúvidas no reconhecimento do facismo como um terceiro gênero entre a direita e a esquerda.

    Me parece que esses regimes políticos encontram encruzilhadas que podem ter nas práticas facistas uma alternativa de solução, marcada por forte pragmatismo, centralização do poder e supressão instrumental dos direitos fundamentais.

    Lamentavelmente, este tipo de degeneração me parece uma das possibilidades do regime democrático, obviamente, desvirtuada.

    Dificilmente no século XXI teremos um Estado com um placa - Estado facista, mas isso não excluí que as suas práticas e métodos facistas e autoritários sejam exercídos `as escâncaras, como tristemente o cotidiano tem nos demonstrado.

    Samuel Martins.

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  2. As pessoas esquecem que o fascismo pode voltar a tona a qualquer momento, sempre temos as condições para isso.
    Os modelos de fascismo tradicional morreram, claro, contudo eles são altamente adaptáveis, e ai mora o mais ardiloso dos riscos.

    Ótima postagem, muito pertinente

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  3. Parabéns pelo artigo, Rubens. Esclarecedor e didático.
    Infelizmente o fascismo ainda é muito atual. Refletir, escrever e lutar contra ele é a nossa batalha diária.

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